S O B R E M I M
Eu numa palavra? Poço.
Costumava dizer que o meu modo de pensar se resumia a uma frase de Charles Bukowski, que dizia que "quando achamos que chegámos ao fundo do poço, descobrimos que podemos ir ainda mais fundo." Porém, mais tarde descobri que o meu pensamento se assemelhava mais ao de Woody Allen, quando este afirmava "o pessimista diz que já atingimos o fundo do poço, o otimista acha que dá para cair ainda mais". A vida já é pessimista. Eu também sou. Mas quando se trata de cair em poços, prefiro optar por outra vertente. Já vão perceber o que quero dizer.
Há quem diga que sou distraída. Sonho acordada enquanto oiço um professor a debitar matéria num auditório, apanho conversas a meio e sei sempre das coisas em último lugar. Num momento penso que estou a apanhar o metro para o Cais do Sodré, nisto apercebo-me que estou a ir para Telheiras. Se acham que são distraídos porque procuram o telemóvel enquanto ele está na vossa mão, experimentem perder o cartão de MB tantas vezes ao ponto da funcionária do banco já saber o vosso nome completo. Pois é. Como sou do Porto, costumo dizer que "sou distraída para caralho".
Sou do signo Balança, mas sou a pessoa mais desequilibrada que alguém pode conhecer. Sou capaz de comer salada durante uma semana - porque, de facto, adoro saladas - mas na seguinte ir ao McDonald's três vezes: uma porque estou com desejos, o que me deixa a pensar se tenho tomado a pílula corretamente; as outras duas simplesmente porque estou bêbeda.
Já deixei de comer carne durante meio ano; hoje sou incapaz de me tornar vegetariana porque quem não come bife de vaca não sabe o que é a vida. Quando me perguntam se gosto de ir à praia não sei o que responder, porque adoro mar e odeio areia. Amo desporto, aquilo que moveu a minha vida durante anos, mas não suporto fechar-me em ginásios - pois penso que o ser humano foi feito para estar com contacto com a natureza. Por isso, amo correr. Mas para ser sincera, odeio andar. Talvez porque se demora a chegar ao destino. E se há coisa que eu odeio é esperar. Sou impaciente como o raio que parta. Costumo dizer que na vida não há tempo para pensar duas vezes e, em certos momentos da minha, não chego a pensar de todo. Por isso é que me dá na telha; e dá-me na telha gostar de poços. E de outras coisas esquisitas.
Flaubert diria que se olha para o fundo do poço como se olha para o alto da torre, mas eu considero o fundo do poço ainda mais extraordinário: de lá vejo melhor as estrelas.
Ana Valente
